Carta Encíclica Laudato Si do Santo Padre Francisco
sobre o cuidado da casa comum
FORMAÇÃO PERMANENTE / PARÓQUIA DO
ANIL
Resumo
1. Introdução (n. 1-16)
O papa se dirige a “cada pessoa
que habita neste planeta”, para “entrar em diálogo com todos” (n. 3) “sobre a
maneira como estamos construindo o futuro do planeta” (n. 14). Destaca a
continuidade com os Papas anteriores, de S. João XXII a Bento XVI (n. 3-6) e faz
especial referência ao Patriarca Bartolomeu (n. 7-9).
Em S. Francisco o Papa encontra o
“exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia
integral, vivida com alegria e autenticidade” (n. 10). Nele, apresenta sua
compreensão de ecologia, na qual “são inseparáveis a preocupação pela natureza,
a justiça para com os pobres, o empenho na sociedade e a paz interior” (ibid.),
e “requer abertura para categorias que transcendem a linguagem das ciências
exatas ou da biologia e nos põem em contato com a essência do ser humano” (n.
11). “Se nos aproximarmos da natureza e do meio ambiente sem esta abertura
para a admiração e o encanto, se deixarmos de falar a língua da fraternidade e
da beleza na nossa relação com o mundo, então as nossas atitudes serão as do
dominador, do consumidor ou de um mero explorador dos recursos naturais, incapaz
de pôr um limite aos seus interesses imediatos. Pelo contrário, se nos
sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe, então brotarão de modo
espontâneo a sobriedade e a solicitude” (n. 11). “O mundo é algo mais do que um problema a resolver; é um mistério
gozoso que contemplamos na alegria e no louvor” (n. 12).
Nos números 13 e 14 antecipa os
contornos fundamentais de sua proposta: “o desafio de proteger a nossa casa
comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um
desenvolvimento sustentável e integral” (n. 13). Para tanto, propõe um “debate
que nos una a todos, porque o desvio ambiental, que vivemos, e as suas raízes
humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós” (n. 14.). Trata-se de um
apelo por uma “nova solidariedade universal” (ibid.)
No n. 15, apresenta as ideias
centrais da encíclica. Pode-se perceber que os seis capítulos da encíclica
estão estruturados em três partes, segundo o clássico método ver-julgar-agir. A
apresentação da realidade atual se encontra no capítulo 1; a avaliação da
situação e de suas raízes, nos capítulos dois e três; e as propostas nos
capítulos quatro a seis.
No primeiro capítulo o Papa
faz uma resenha dos vários aspectos da crise ecológica, recolhendo as
contribuições da pesquisa científica, com a dupla finalidade de sensibilizar
para o problema e de dar uma base concreta ao percurso ético e espiritual que
propõe. Nos capítulos dois e três, retoma elementos da
tradição judaico-cristã referentes à criação e ao significado do mundo e da
vida e oferece uma análise das raízes da crise ecológica. Na parte propositiva
de sua encíclica, apresenta sua compreensão de “ecologia integral” (cap. quatro),
onde destaca o lugar das pessoas humanas no mundo e o significado de suas
relações com a realidade; sugere linhas de diálogo e de ação nos vário níveis
(internacional, nacional e local), destacando as relações entre a economia, a
política, a ciência e a religião (cap. cinco); e indica elementos
educativos e espirituais em vista do amadurecimento humano no contexto do
desenvolvimento integral (cap. seis).
O próprio Papa
Francisco indica (n. 16) quais são os eixos temáticos que perpassam sua
encíclica, integrando sua reflexão e suas propostas:
1. A relação entre os
pobres e a fragilidade do planeta;
2. A convicção de que no
mundo tudo está interligado;
3. A crítica ao
paradigma e às formas de poder que derivam da tecnologia;
4. O convite a buscar
outras maneiras de compreender a economia e o progresso;
5. O valor próprio de
cada criatura;
6. O sentido humano da
ecologia;
7. A necessidade de
debates sinceros e honestos;
8. A grave
responsabilidade da política internacional e local;
9. A cultura do
descarte;
10. A proposta de um novo
estilo de vida.
Capítulo
1: O que está acontecendo com nossa casa (n. 17 - 61)
Nesse capítulo, o
Papa apresenta uma “resenha” das grandes questões, não apenas a título de
informação, mas de “tomar dolorosa consciência, ousar transformar em sofrimento
pessoal o que acontece com o mundo e recolher a contribuição que cada um pode
dar” (n. 19). O ponto de partida é o contraste entre a rapidez e constância das
mudanças impostas pelo ritmo de vida atual e a lentidão natural da evolução
biológica (n. 18). Os objetivos das mudanças são um agravante da situação, pois
“não estão necessariamente orientados para o bem comum e para um
desenvolvimento integral e sustentável” (ibid.).
Francisco afirma a
convicção de que “hoje não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira
abordagem ecológica sempre se torna um a abordagem social, que deve integrar a
justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tano o clamor da terra
como o clamor dos pobres” (n. 49). Em decorrência, examina as consequências do
modelo de desenvolvimento econômico pautado pelo mercado e centrado no consumo
de bens para os diversos âmbitos da vida do planeta e no planeta: a correlação
entre a poluição e o clima, e a qualidade e a quantidade da água potável e a
biodiversidade. Analisa também o impacto da economia e dos desequilíbrios
ecológicos sobre a qualidade da vida humana e das relações sociais. Examina
algumas consequências, como as desigualdades e a debilitação das relações. “Os
poderes econômicos continuam a justificar o sistema mundial atual, onde
predomina uma especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem a
ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade humana e sobre o meio
ambiente. Assim se manifesta como estão intimamente ligadas a degradação
ambiental e a degradação humana ética” (n. 56).
No aspecto
diretamente ecológico, denuncia: “a deterioração do meio ambiente e a da
sociedade afetam de modo especial os mais frágeis do planeta” (n. 48); “a
submissão da política à tecnologia e à finança demonstra-se na falência das
cúpulas mundiais sobre o meio ambiente; [...] A aliança entre economia e
tecnologia acaba por deixar fora tudo o que não faz parte dos seus interesses
imediatos” (n. 55); “Cresce uma ecologia superficial ou aparente” (n. 59). Constata
que “não dispomos ainda da cultura necessária para enfrentar esta crise e há
necessidade de construir lideranças que tracem caminhos [...]. Torna-se
indispensável criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e
assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder
derivadas do paradigma tecno-econômico acabem por arrasar não só com a
política, mas também com a liberdade e a justiça” (n. 53).
Diante da complexa
tarefa, indica o papel que a ser assumido pela Igreja: ela “não tem motivo para
propor uma palavra definitiva e entende que deve escutar e promover o debate
honesto entre os cientistas, respeitando a diversidade de opiniões” (61).
Capítulo 2: O Evangelho da Criação (n. 62-100)
Neste capítulo, o
Papa oferece indicações provenientes da fé judaico-cristã, na convicção de que
“a ciência e a religião, que oferecem diferentes abordagens da realidade, podem
entrar num diálogo intenso e frutuoso para ambas” (n. 62). E pretende “mostrar
como as convicções da fé oferecem aos cristãos – e, em parte, também a outros
crentes – motivações altas para cuidar da natureza e dos irmãos e irmãs mais
frágeis” (n. 64), e que “é bom, para a humanidade e para o mundo, que nós,
crentes, conheçamos melhor os compromissos ecológicos que brotam das nossas
convicções” (ibid.).
Três elementos
articulam a reflexão apresentada neste capítulo: a dignidade de cada pessoa
humana; a pessoa em relação com Deus, com o próximo e com a terra; e o valor
intrínseco de cada criatura. É dada especial atenção à interpretação do convite
a “dominar a terra” (Gn 1,28). Em íntima relação com o “cultivar e guardar (Gn
2,15), e à luz das normas relativas ao descanso e aos jubileus, o Papa afirma
que ele só pode significar “proteger, cuidar, preservar, velar” (n. 67) e não
pode servir de justificativa para um “domínio absoluto” e devastador nem para
um “antropocentrismo desordenado” (n. 69).
Ao considerar o
mistério do universo, o Papa parte da diferença entre os conceitos “criação” e
“natureza”: “natureza entende-se habitualmente como um sistema que se analisa,
compreende e gere, mas a criação só se pode conceber como um dom [...], como
uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal” (n. 76).
A Sagrada Escritura fundamenta uma compreensão humana da ecologia, uma vez que
“a partir dos textos bíblicos, consideramos o ser humano como sujeito que nunca
pode ser reduzido à categoria de objeto” (n. 81). “Mas – continua o Papa –
seria errado também pensar que os outros seres vivos devam ser considerados
como meros objetos submetidos ao domínio arbitrário do ser humano” (n. 82).
“Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem
medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus” (n. 84).
“Isto gera a convicção de que nós e todos os seres do universo, sendo criados
pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de
família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado,
amoroso e humilde” (n. 89).
A dimensão
antropológica da ecologia impede separá-la das questões sociais e da pobreza.
“Não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da
natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e
preocupação pelos seres humanos” (n. 91). “Devemos, certamente, ter a
preocupação de que os outros seres vivos não sejam tratados de forma
irresponsável, mas deveriam indignar-nos sobretudo as enormes desigualdades que
existem entre nós, porque continuamos a tolerar que alguns se considerem mais
dignos do que outros” (n. 90). “Portanto, toda abordagem ecológica deve
integrar uma perspectiva social que tenha em conta os direitos fundamentais dos
mais desfavorecidos” (n. 93). Neste sentido, o meio ambiente deve ser
considerado à luz do destino comum dos bens e ser considerado um “bem coletivo”
(n. 95).
O capítulo se conclui
abordando a questão ecológica a partir do “olhar de Jesus”. Ele “retoma a fé bíblica no Deus criador e
destaca um dado fundamental: Deus é Pai” (n. 96). Ele convida a contemplar a
beleza que existe no mundo porque Ele mesmo vivia em plena harmonia com a
criação. Carpinteiro, trabalhava com suas mãos, “entrando diariamente em
contato com a matéria criada por Deus para a moldar com as próprias mãos” (n.
98). “Segundo a compreensão cristã da realidade, o destino da criação inteira
passa pelo mistério de Cristo, que nela está presente desde a origem” (n. 99).
“Ressuscitado e glorioso, está presente em toda a criação com o seu domínio
universal”, por isso, “as criaturas deste mundo já não nos aparecem como uma
realidade meramente natural, porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e
guia para um destino de plenitude” (n. 100).
Capítulo 3: A raiz humana da crise ecológica (n. 101-136)
Neste capítulo, o
Papa analisa e critica o “paradigma tecnocrático dominante e o lugar que ocupa
nele o ser humano e sua ação no mundo”(n. 101).
A reflexão parte da
consideração do papel da tecnologia na transformação da natureza pelos seres
humanos. Essa transformação é uma característica do gênero humano desde seus
primórdios (n. 102), e a tecnologia, “bem orientada, pode produzir coisas
realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano” (103). As
conquistas que ela permitiu “nos dão um poder tremendo” (n. 104), mas é preciso
perguntar-se: “nas mãos de quem está e pode chegar a estar tanto poder? É
tremendamente arriscado que resida numa pequena parte da humanidade” (ibid.).
Francisco constata: “o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por
um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à
consciência” (n. 105).
A partir dessa
constatação, o Papa aponta para o “problema fundamental”: “o modo como
realmente a humanidade assumiu a tecnologia e o seu desenvolvimento juntamente com um paradigma homogêneo e
unidimensional” (n. 106). A partir desse paradigma, o que importa é extrair
o máximo possível das coisas, ignorando a realidade própria do que se tem à mão
e supondo “a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta”(ibid.).
A partir dessa
concepção, novamente Francisco vai à interligação que há entre degradação do
meio ambiente e o significado antropológico da ecologia. Essa degradação “é
apenas um sinal do reducionismo que afeta a vida humana” (n. 107). “Certas
opções, que parecem puramente instrumentais, na realidade são opções sobre o
tipo de vida social que se pretende desenvolver” (ibid.). O paradigma
tecnocrático se impôs ao ponto de ser difícil prescindir de seus recursos e
ainda mais difícil utilizá-los sem ser dominados por sua lógica.
A predominância desse
paradigma sobre a economia e a política gera consequências trágicas: a finança
sufoca a economia real e propõe que os problemas ambientais e sociais serão
resolvidos com o crescimento do mercado (n. 109). “O mercado, por si mesmo, não
garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão social” (ibid.). “As
raízes mais profundas dos desequilíbrios atuais tem a ver com a orientação, os
fins, o sentido e o contexto social do crescimento tecnológico e econômico”
(ibid.).
Outro elemento
relacionado com a tecnologia é a especialização que pode “comporta grande
dificuldade para se conseguir um olhar de conjunto” e a “fragmentação do
saber”, levando frequentemente a se “perder o sentido da realidade” e “impede
de individuar caminhos adequados para resolver os problemas mais complexos do
mundo atual, sobretudo os do meio ambiente e dos pobres” (n. 110).
A “cultura ecológica”
hoje necessária, “não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e
parciais para os problemas que vão surgindo em torno da degradação ambiental,
do esgotamento das reservas naturais e da poluição. Deveria ser um olhar
diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de
vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma
tecnocrático. [...] Buscar apenas um remédio técnico para cada problema
ambiental que aparece, é isolar coisas que na realidade, estão interligadas e
esconder os problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial” (n.
111). é necessário e urgente “avançar numa corajosa revolução cultural” (n.
114).
Essa mudança cultural
precisa revisar em profundidade o paradigma antropocêntrico moderno, que gerou
um “excesso antropocêntrico”, que “continua a minar toda referencia a algo de
comum e a qualquer tentativa de reforçar os laços sociais” (n. 116). “Quando
não se reconhece a importância dum pobre, dum embrião humano, duma pessoa com
deficiência – só para citar alguns exemplos –, dificilmente se saberá escutar
os gritos da própria natureza” (n. 117). Francisco caracteriza essa situação
como “esquizofrenia permanente, que se estende da exaltação tecnocrática, que
não reconhece aos outros serem um valor próprio, até à reação de negar qualquer
valor peculiar ao ser humano”(n. 118), e conclui que “não haverá uma nova
relação com a natureza, sem um ser humano novo. Não há ecologia sem uma
adequada antropologia” (ibid.). Na crise ecológica se reconhece uma crise ética
(n. 119). O relativismo prático impõe o pensamento segundo o qual “tudo o que
não serve os próprios interesses imediatos se torna irrelevante” (n. 122). “Se
não há verdades objetivas nem princípios estáveis, fora da satisfação das
aspirações próprias e das necessidades imediatas, que limites pode haver para o
tráfico de seres humanos, a criminalidade organizada, o narcotráfico, o
comércio de diamantes ensanguentados e de peles de animais em via de extinção?
“(n. 123). É a mesma lógica que comanda todos esses problemas.
O valor do trabalho
deve ser também protegido e defendido das consequências do paradigma
tecnocrático. “A intervenção humana que favorece o desenvolvimento prudente da
criação é a forma mais adequada de cuidar dela” (n. 124). O sentido e a
finalidade da ação humana sobre a realidade são pressupostos de uma compreensão
adequada do trabalho como meio para o desenvolvimento pessoal e social
integrais. É necessária uma economia que “favoreça a diversificação produtiva e
a criatividade empresarial”, com especial atenção para o desenvolvimento dos
pobres a partir do trabalho.
Neste âmbito é
preciso considerar também as intervenções técnicas sobre o próprio ser humano e
sobre os demais seres. Trata-se do desafio das biotecnologias e biociências.
Citando S. João Paulo II, Francisco afirma que é legítima uma intervenção que
atue sobre a natureza para ajudar a desenvolver sua linha própria, da criação
querida por Deus (n. 132). Dada a complexidade da questão, e da necessidade de
considerar todos os aspectos implicados, incluída a ética, é preciso “dispor de
espaços de debate, onde todos os que poderiam de algum modo ver-se afetados,
direta ou indiretamente [...], tenham possibilidade de expor as suas
problemáticas ou ter acesso a uma informação ampla e fidedigna para dotar
decisões tendentes ao bem comum presente e futuro” (n. 135).
Capítulo 4: Uma ecologia integral (137-162)
“A ecologia estuda as
relações entre os organismos vivos e o meio ambiente onde se desenvolvem” (n.
138). Partindo dessa descrição e dos pressupostos segundo os quais “tudo está
intimamente relacionado” e que “os problemas atuais requerem um olhar que tenha
em conta todos os aspectos da crise mundial”, o Papa expressa sua convicção de
que é necessário “pensar e discutir sobre as condições de vida e de
sobrevivência duma sociedade, com a honestidade de pôr em questão modelos de
desenvolvimento, produção e consumo” (n. 139).
Neste sentido, a proposta
de ecologia integral se apresenta como ecologia ambiental, econômica, social e
cultural. Engloba aspectos que vão da vida quotidiana até a justiça
internacional, seguindo o princípio do bem comum e da dignidade da criação. “É
fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas
naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma
ambiental e outra social; mas uma única complexa crise socioambiental” (n.
139). A respeito da ecologia econômica,
o Papa afirma que deverá ser “capaz de considerar a realidade de forma mais
ampla” e não se deixar levar por cálculos tendentes unicamente a “simplificar
os processos e reduzir os custos’ (n. 141). Da ecologia social, afirma que “é necessariamente institucional e
progressivamente alcança as diferentes dimensões, que vão desde o grupo social
primário, a família, até à vida internacional, passando pela comunidade local e
pela nação” (n. 142). A propósito da ecologia
cultural, o Papa considera que “a imposição de um estilo hegemônico de vida
ligado a um modo de produção pode ser tão nocivo como a alteração dos
ecossistemas” (n. 145).
Nos aspectos
cotidianos da ecologia humana, o Papa Francisco reflete sobre as cidades
(habitação, espaço urbano, transportes) e sobre a vida em ambientes rurais.
Trata ainda da “lei moral inscrita na própria natureza” humana, sobre a relação
com o próprio corpo e sobre o sentido da própria feminilidade ou masculinidade
(n. 155). Na reflexão sobre o princípio do bem comum, trata dos direitos da
pessoa humana, dos grupos intermediários, do princípio de subsidiariedade e da
opção preferencial pelos mais pobres. Esta última, é tida como “exigência ética
fundamental para a efetiva realização do bem comum” (n. 158). O princípio da justiça intergeneracional se coloca na linha da lógica do dom. “a terra
nos é dada, não podemos pensar apenas a partir dum critério utilitarista de
eficiência e produtividade para lucro individual” (n. 159). “A dificuldade em
levar a sério esse desafio tem a ver com uma deterioração ética e cultural, que
acompanha a deterioração ecológica” (n. 162).
Capítulo 5: Algumas linhas de
orientação e ação (n. 163-201)
Neste
capítulo, o Papa delineia “grandes percursos de diálogo” com o objetivo de
buscar as saídas da “espiral de autodestruição onde estamos afundando” (n.
163). Primeiramente, considera a responsabilidade da política internacional,
que supõe considerar “o planeta como pátria e a humanidade como povo que habita
uma casa comum” (n. 164). Trata-se de
construir um projeto comum a partir de um consenso mundial em torno do modelo
de desenvolvimento integral e sustentável e do uso preferencial das energias
renováveis. “Trata-se primariamente duma decisão ética, fundada na
solidariedade de todos os povos” (n. 172). Seu objetivo é estabelecer “padrões
reguladores globais” (n. 173) para a “governança de toda a gama dos chamados
bens comuns globais” (n. 174). Isto requer “a maturação de instituições
internacionais mais fortes e eficazmente organizadas, com autoridades designadas
de maneira imparcial, por meio de acordos entre os governos nacionais e dotadas
de poder de sancionar” (n. 175).
O
diálogo para novas políticas nacionais e locais põe em questão a determinação
da política por interesses econômicos, por meio dos interesses eleitorais (n.
177-178). “Se os cidadãos não controlam o poder político – nacional, regional e
municipal –, também não é possível combater os danos ambientais” (n. 179). Para
um projeto político integral é necessária a continuidade, porque “os resultados
requerem muito tempo e comportam custos imediatos com efeitos que não poderão
ser exibidos no período de vida dum governo” (n. 181). Por isso, “sem a pressão
da população e das instituições, haverá sempre relutância a intervir” (ibid.).
O
grave problema da corrupção torna evidente a necessidade de diálogo e
transparência nos processos decisórios. A interdisciplinaridade das discussões
são tão necessárias quanto a transparência e a independência de qualquer
pressão econômica ou política (n. 183). “É necessário alcançar consenso entre
os vários atores sociais” (ibid.). Nessa discussão, em vista do discernimento
necessário, o Papa considera indispensáveis uma série de perguntas: “para que
fim? Por qual motivo? Onde? Quando? De que maneira? A que preço? Quem paga as
despesas e como o fará?” (n. 185).
Nesse
diálogo, o papel da Igreja é ditado pelo princípio de que ela “não pretende
definir as questões científicas nem substituir-se à política”, mas convidar “a
um debate honesto e transparente, para que as necessidades particulares ou as
ideologias não lesem o bem comum” (n. 188).
É
indispensável que a política e a economia dialoguem em vista de um
desenvolvimento que tenha como meta a plenitude humana. “A política não deve
submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma
eficientista da tecnologia” (n. 189). A concepção “mágica” do mercado deve ser
cuidadosamente evitada, pois os problemas não se resolvem com o crescimento dos
lucros das em presas ou dos indivíduos
(n. 190). O autêntico desenvolvimento pode requerer a redução de “um
determinado ritmo de produção e consumo” (n. 191), “diminuir a marcha, pôr
alguns limites razoáveis e até mesmo retroceder antes que seja tarde demais”
(n. 193). Em vista disso, “chegou o hora de aceitar um certo decréscimo do
consumo nalguma partes do mundo, fornecendo recursos para que se possa crescer
de forma saudável noutras partes”(n. 193). “Trata-se de redefinir o progresso”
(n. 194). “Um desenvolvimento tecnológico e econômico, que não deixa um mundo
melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar
progresso” (ibid.).
As
religiões têm um papel importante na compreensão do sentido da vida, e devem
dialogar com as ciências a respeito. É preciso “fazer apelo aos crentes para
que sejam coerentes com a sua própria fé e não a contradigam com as suas ações”
(n. 200). Em vista de uma contribuição significativa, o Papa Francisco afirma a
necessidade de que as religiões dialoguem entre si; que as diversas ciências
também dialoguem entre si, que os diferentes movimentos ecologistas se abram a
um diálogo capaz de respeitar as diferenças. “A gravidade da crise ecológica
obriga-nos, a todos, a pensar no bem comum e a prosseguir pelo caminho do
diálogo que requer paciência, ascese e generosidade” (n. 201).
Capítulo 6: Educação e
espiritualidade ecológicas
Neste
capítulo, o Papa Francisco inicia com a lapidar afirmação: “antes de tudo é a
humanidade que precisa mudar”, pois “falta a consciência duma origem comum,
duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos” (n. 202). E
prognostica: “Esta consciência basilar permitira o desenvolvimento de novas
convicções, atitudes e estilos de vida” (ibid.). O desafio é definido então como
“cultural, espiritual e educativo” e “implicará longos processos de
regeneração” (ibid.).
Primeiramente
é preciso tomar a direção de outro estilo de vida, superando o consumismo
compulsivo. A falta de identidade produzida pelo paradigma tecno-econômico é
vivida com angústia. A superação da auto-referencialidade é uma necessidade
urgente. Tal paradigma leva à oposição entre as pessoas e deteriora a
sociedade: “a obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo quando
poucos têm possibilidade de o manter, só poderá provocar violência e destruição
recíproca” (n. 204). O ponto de partida da mudança cultural se encontra nas
pessoas humanas: “não há sistemas que anulem, por completo, a abertura ao bem,
à verdade e à beleza, nem a capacidade de reagir que Deus continua a animar no
mais fundo dos nossos corações” (n. 205). Trata-se de estimular a sensibilidade
social dos consumidores e a capacidade de sair de si mesmos rumo aos outros (n.
206-208). “A atitude basilar de se auto-transcender, rompendo com a consciência
isolada e auto-referencialidade, é a raiz que possibilita todo o cuidado dos
outros e do meio ambiente; e faz brotar a reação moral de ter em conta o
impacto que possa provocar cada ação e decisão pessoal fora de si mesmo” (n.
208).
A
aliança entre a humanidade e o meio ambiente é um dos objetivos da educação
ecológica e se traduz em novos hábitos. Para tanto, é necessária a crítica dos
mitos da modernidade, baseados na razão instrumental (n. 210). Não é só com
normas que se pode conseguir a mudança necessária, “é preciso que a maior parte
dos membros da sociedade tenha acolhido a norma jurídica, com base em
motivações adequadas e reaja com uma transformação pessoal” (n. 211). A partir
desse princípio, o Papa indica uma série de comportamentos concretos e que têm incidência direta e importante no
cuidado do ambiente (ibid.). Indica, em seguida, os diversos atores sociais
responsáveis pela educação, destacando o papel da família, como “lugar da
formação integral” (n. 213) e o papel da política e das associações na
“formação das consciências da população” (n. 214).
Do
ponto de vista da espiritualidade, aponta para a necessidade de uma “conversão
ecológica”. Considera que “a grande riqueza da espiritualidade cristã, [...]
constitui uma magnífica contribuição para o esforço de renovar a humanidade”
(n. 216). “Viver a vocação de guardiães da obra de Deus não é algo de opcional
nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma
existência virtuosa” (n. 217). De acordo com a experiência cristã, “a conversão
ecológica, que se requer para criar um dinamismo de mudança duradoura, é também
uma conversão comunitária” (n. 219). A seguir, o Papa indica várias atitudes
ligadas a essa conversão: gratidão e gratuidade, consciência amorosa de estar
ligado às outras criaturas, criatividade e entusiasmo para resolver os dramas
do mundo (n. 220).
A
qualidade de vida que a conversão traz consigo, confere alegria e paz. O
regresso à simplicidade, a felicidade de limitar algumas necessidades, a sobriedade
e a humildade são sinais dessa espiritualidade. Ela permite também alargar a
compreensão da paz, que ser realiza no dia a dia como harmonia serena
recuperada (n. 224-225).
O
amor cristão, nesse processo educativo e espiritual, se traduz como amor civil
e político. “É preciso voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos
uma responsabilidade para com os outros e com o muno, que vale a pena ser ons e
honestos” (n. 229). É isto que pode abrir-nos ao amor universal. “O amor, cheio
de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se
em todas as ações que procuram construir um mundo melhor” (n. 231). “O amor
social é a chave para um desenvolvimento autêntico” (ibid.). A sensibilidade
pelo comunitário, o envolvimento direto com a política – por parte de uns –, e
com as várias formas de associações, por parte de outros permite um efetivo
cuidado da natureza e dos mais pobres. “Estas ações comunitárias, quando
exprimem um amor que perdoa, podem transformar-se em experiências espirituais
intensas” (n. 222).
Por fim, o Papa desenvolve uma
reflexão a respeito de elementos característicos da espiritualidade cristã,
indicando como eles podem abrir à conversão ecológica. “O ideal não é só passar
da exterioridade à interioridade para descobrir a ação de Deus na alma, mas
também chegar a encontrá-lo em todas as coisas”. A partir daí se fala do
significado “sacramental” de toda a criação, e destaca como para a mística
cristã tudo fala de Deus. Os sacramentos assumem elementos da natureza e os
transfiguram no encontro com Deus (n. 235). A máxima elevação da natureza está
na Eucaristia (n. 236). O sentido do descanso que o Domingo carrega em si
permite abrir o cuidado da vida e do mundo para a nova criação aguardada com fé
e para o sentido contemplativo da vida
(n. 237). As inúmeras relações existentes entre os seres testemunham o
modelo divino a partir do qual foram criados: as Pessoas divinas como relações
subsistentes (n. 240), pois o reflexo da Trindade está em toda a criação (n. 239).
A devoção a Maria faz vê-la como “rainha de toda a Criação” (n. 241). Nela,
“parte da criação alcançou toda a plenitude da sua beleza” (ibid.). A dimensão
escatológica da criação nos recorda que “no coração deste mundo, permanece
presente o Senhor da vida que tanto nos ama. Não nos abandona, não nos deixa
sozinhos, porque se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos
leva a encontrar novos caminhos” (245).
Ao final de sua encíclica, o
Santo Padre propõe duas orações. Uma que pode ser rezada por todos os que
cremos em Deus, outra por nós, cristãos, “pedindo que saibamos assumir os
compromissos para com a criação que o Evangelho de Jesus propõe” (n. 246).
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