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sexta-feira, 9 de outubro de 2015

PARÓQUIA DO ANIL EM ESTADO DE FORMAÇÃO PERMANENTE

Carta Encíclica Laudato Si do Santo Padre Francisco
sobre o cuidado da casa comum
FORMAÇÃO PERMANENTE / PARÓQUIA DO ANIL
Resumo

1. Introdução (n. 1-16)

O papa se dirige a “cada pessoa que habita neste planeta”, para “entrar em diálogo com todos” (n. 3) “sobre a maneira como estamos construindo o futuro do planeta” (n. 14). Destaca a continuidade com os Papas anteriores, de S. João XXII a Bento XVI (n. 3-6) e faz especial referência ao Patriarca Bartolomeu (n. 7-9).
Em S. Francisco o Papa encontra o “exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade” (n. 10). Nele, apresenta sua compreensão de ecologia, na qual “são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenho na sociedade e a paz interior” (ibid.), e “requer abertura para categorias que transcendem a linguagem das ciências exatas ou da biologia e nos põem em contato com a essência do ser humano” (n. 11). “Se nos aproximarmos da natureza e do meio ambiente sem esta abertura para a admiração e o encanto, se deixarmos de falar a língua da fraternidade e da beleza na nossa relação com o mundo, então as nossas atitudes serão as do dominador, do consumidor ou de um mero explorador dos recursos naturais, incapaz de pôr um limite aos seus interesses imediatos. Pelo contrário, se nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe, então brotarão de modo espontâneo a sobriedade e a solicitude” (n. 11). “O mundo é algo mais do que um problema a resolver; é um mistério gozoso que contemplamos na alegria e no louvor” (n. 12).
Nos números 13 e 14 antecipa os contornos fundamentais de sua proposta: “o desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral” (n. 13). Para tanto, propõe um “debate que nos una a todos, porque o desvio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós” (n. 14.). Trata-se de um apelo por uma “nova solidariedade universal” (ibid.)
No n. 15, apresenta as ideias centrais da encíclica. Pode-se perceber que os seis capítulos da encíclica estão estruturados em três partes, segundo o clássico método ver-julgar-agir. A apresentação da realidade atual se encontra no capítulo 1; a avaliação da situação e de suas raízes, nos capítulos dois e três; e as propostas nos capítulos quatro a seis.
No primeiro capítulo o Papa faz uma resenha dos vários aspectos da crise ecológica, recolhendo as contribuições da pesquisa científica, com a dupla finalidade de sensibilizar para o problema e de dar uma base concreta ao percurso ético e espiritual que propõe. Nos capítulos dois e três, retoma elementos da tradição judaico-cristã referentes à criação e ao significado do mundo e da vida e oferece uma análise das raízes da crise ecológica. Na parte propositiva de sua encíclica, apresenta sua compreensão de “ecologia integral” (cap. quatro), onde destaca o lugar das pessoas humanas no mundo e o significado de suas relações com a realidade; sugere linhas de diálogo e de ação nos vário níveis (internacional, nacional e local), destacando as relações entre a economia, a política, a ciência e a religião (cap. cinco); e indica elementos educativos e espirituais em vista do amadurecimento humano no contexto do desenvolvimento integral (cap. seis).
O próprio Papa Francisco indica (n. 16) quais são os eixos temáticos que perpassam sua encíclica, integrando sua reflexão e suas propostas:

1.      A relação entre os pobres e a fragilidade do planeta;
2.      A convicção de que no mundo tudo está interligado;
3.      A crítica ao paradigma e às formas de poder que derivam da tecnologia;
4.      O convite a buscar outras maneiras de compreender a economia e o progresso;
5.      O valor próprio de cada criatura;
6.      O sentido humano da ecologia;
7.      A necessidade de debates sinceros e honestos;
8.      A grave responsabilidade da política internacional e local;
9.      A cultura do descarte;
10.  A proposta de um novo estilo de vida.


Capítulo 1: O que está acontecendo com nossa casa (n. 17 - 61)

Nesse capítulo, o Papa apresenta uma “resenha” das grandes questões, não apenas a título de informação, mas de “tomar dolorosa consciência, ousar transformar em sofrimento pessoal o que acontece com o mundo e recolher a contribuição que cada um pode dar” (n. 19). O ponto de partida é o contraste entre a rapidez e constância das mudanças impostas pelo ritmo de vida atual e a lentidão natural da evolução biológica (n. 18). Os objetivos das mudanças são um agravante da situação, pois “não estão necessariamente orientados para o bem comum e para um desenvolvimento integral e sustentável” (ibid.).
Francisco afirma a convicção de que “hoje não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna um a abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tano o clamor da terra como o clamor dos pobres” (n. 49). Em decorrência, examina as consequências do modelo de desenvolvimento econômico pautado pelo mercado e centrado no consumo de bens para os diversos âmbitos da vida do planeta e no planeta: a correlação entre a poluição e o clima, e a qualidade e a quantidade da água potável e a biodiversidade. Analisa também o impacto da economia e dos desequilíbrios ecológicos sobre a qualidade da vida humana e das relações sociais. Examina algumas consequências, como as desigualdades e a debilitação das relações. “Os poderes econômicos continuam a justificar o sistema mundial atual, onde predomina uma especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente. Assim se manifesta como estão intimamente ligadas a degradação ambiental e a degradação humana ética” (n. 56).
No aspecto diretamente ecológico, denuncia: “a deterioração do meio ambiente e a da sociedade afetam de modo especial os mais frágeis do planeta” (n. 48); “a submissão da política à tecnologia e à finança demonstra-se na falência das cúpulas mundiais sobre o meio ambiente; [...] A aliança entre economia e tecnologia acaba por deixar fora tudo o que não faz parte dos seus interesses imediatos” (n. 55); “Cresce uma ecologia superficial ou aparente” (n. 59). Constata que “não dispomos ainda da cultura necessária para enfrentar esta crise e há necessidade de construir lideranças que tracem caminhos [...]. Torna-se indispensável criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do paradigma tecno-econômico acabem por arrasar não só com a política, mas também com a liberdade e a justiça” (n. 53).
Diante da complexa tarefa, indica o papel que a ser assumido pela Igreja: ela “não tem motivo para propor uma palavra definitiva e entende que deve escutar e promover o debate honesto entre os cientistas, respeitando a diversidade de opiniões” (61).
Capítulo 2: O Evangelho da Criação (n. 62-100)

Neste capítulo, o Papa oferece indicações provenientes da fé judaico-cristã, na convicção de que “a ciência e a religião, que oferecem diferentes abordagens da realidade, podem entrar num diálogo intenso e frutuoso para ambas” (n. 62). E pretende “mostrar como as convicções da fé oferecem aos cristãos – e, em parte, também a outros crentes – motivações altas para cuidar da natureza e dos irmãos e irmãs mais frágeis” (n. 64), e que “é bom, para a humanidade e para o mundo, que nós, crentes, conheçamos melhor os compromissos ecológicos que brotam das nossas convicções” (ibid.).
Três elementos articulam a reflexão apresentada neste capítulo: a dignidade de cada pessoa humana; a pessoa em relação com Deus, com o próximo e com a terra; e o valor intrínseco de cada criatura. É dada especial atenção à interpretação do convite a “dominar a terra” (Gn 1,28). Em íntima relação com o “cultivar e guardar (Gn 2,15), e à luz das normas relativas ao descanso e aos jubileus, o Papa afirma que ele só pode significar “proteger, cuidar, preservar, velar” (n. 67) e não pode servir de justificativa para um “domínio absoluto” e devastador nem para um “antropocentrismo desordenado” (n. 69).
Ao considerar o mistério do universo, o Papa parte da diferença entre os conceitos “criação” e “natureza”: “natureza entende-se habitualmente como um sistema que se analisa, compreende e gere, mas a criação só se pode conceber como um dom [...], como uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal” (n. 76). A Sagrada Escritura fundamenta uma compreensão humana da ecologia, uma vez que “a partir dos textos bíblicos, consideramos o ser humano como sujeito que nunca pode ser reduzido à categoria de objeto” (n. 81). “Mas – continua o Papa – seria errado também pensar que os outros seres vivos devam ser considerados como meros objetos submetidos ao domínio arbitrário do ser humano” (n. 82). “Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus” (n. 84). “Isto gera a convicção de que nós e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde” (n. 89).
A dimensão antropológica da ecologia impede separá-la das questões sociais e da pobreza. “Não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos” (n. 91). “Devemos, certamente, ter a preocupação de que os outros seres vivos não sejam tratados de forma irresponsável, mas deveriam indignar-nos sobretudo as enormes desigualdades que existem entre nós, porque continuamos a tolerar que alguns se considerem mais dignos do que outros” (n. 90). “Portanto, toda abordagem ecológica deve integrar uma perspectiva social que tenha em conta os direitos fundamentais dos mais desfavorecidos” (n. 93). Neste sentido, o meio ambiente deve ser considerado à luz do destino comum dos bens e ser considerado um “bem coletivo” (n. 95).
O capítulo se conclui abordando a questão ecológica a partir do “olhar de Jesus”.  Ele “retoma a fé bíblica no Deus criador e destaca um dado fundamental: Deus é Pai” (n. 96). Ele convida a contemplar a beleza que existe no mundo porque Ele mesmo vivia em plena harmonia com a criação. Carpinteiro, trabalhava com suas mãos, “entrando diariamente em contato com a matéria criada por Deus para a moldar com as próprias mãos” (n. 98). “Segundo a compreensão cristã da realidade, o destino da criação inteira passa pelo mistério de Cristo, que nela está presente desde a origem” (n. 99). “Ressuscitado e glorioso, está presente em toda a criação com o seu domínio universal”, por isso, “as criaturas deste mundo já não nos aparecem como uma realidade meramente natural, porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino de plenitude” (n. 100).
Capítulo 3: A raiz humana da crise ecológica (n. 101-136)

Neste capítulo, o Papa analisa e critica o “paradigma tecnocrático dominante e o lugar que ocupa nele o ser humano e sua ação no mundo”(n. 101).
A reflexão parte da consideração do papel da tecnologia na transformação da natureza pelos seres humanos. Essa transformação é uma característica do gênero humano desde seus primórdios (n. 102), e a tecnologia, “bem orientada, pode produzir coisas realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano” (103). As conquistas que ela permitiu “nos dão um poder tremendo” (n. 104), mas é preciso perguntar-se: “nas mãos de quem está e pode chegar a estar tanto poder? É tremendamente arriscado que resida numa pequena parte da humanidade” (ibid.). Francisco constata: “o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência” (n. 105).
A partir dessa constatação, o Papa aponta para o “problema fundamental”: “o modo como realmente a humanidade assumiu a tecnologia e o seu desenvolvimento juntamente com um paradigma homogêneo e unidimensional” (n. 106). A partir desse paradigma, o que importa é extrair o máximo possível das coisas, ignorando a realidade própria do que se tem à mão e supondo “a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta”(ibid.).
A partir dessa concepção, novamente Francisco vai à interligação que há entre degradação do meio ambiente e o significado antropológico da ecologia. Essa degradação “é apenas um sinal do reducionismo que afeta a vida humana” (n. 107). “Certas opções, que parecem puramente instrumentais, na realidade são opções sobre o tipo de vida social que se pretende desenvolver” (ibid.). O paradigma tecnocrático se impôs ao ponto de ser difícil prescindir de seus recursos e ainda mais difícil utilizá-los sem ser dominados por sua lógica.
A predominância desse paradigma sobre a economia e a política gera consequências trágicas: a finança sufoca a economia real e propõe que os problemas ambientais e sociais serão resolvidos com o crescimento do mercado (n. 109). “O mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão social” (ibid.). “As raízes mais profundas dos desequilíbrios atuais tem a ver com a orientação, os fins, o sentido e o contexto social do crescimento tecnológico e econômico” (ibid.).
Outro elemento relacionado com a tecnologia é a especialização que pode “comporta grande dificuldade para se conseguir um olhar de conjunto” e a “fragmentação do saber”, levando frequentemente a se “perder o sentido da realidade” e “impede de individuar caminhos adequados para resolver os problemas mais complexos do mundo atual, sobretudo os do meio ambiente e dos pobres” (n. 110).
A “cultura ecológica” hoje necessária, “não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e parciais para os problemas que vão surgindo em torno da degradação ambiental, do esgotamento das reservas naturais e da poluição. Deveria ser um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático. [...] Buscar apenas um remédio técnico para cada problema ambiental que aparece, é isolar coisas que na realidade, estão interligadas e esconder os problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial” (n. 111). é necessário e urgente “avançar numa corajosa revolução cultural” (n. 114).
Essa mudança cultural precisa revisar em profundidade o paradigma antropocêntrico moderno, que gerou um “excesso antropocêntrico”, que “continua a minar toda referencia a algo de comum e a qualquer tentativa de reforçar os laços sociais” (n. 116). “Quando não se reconhece a importância dum pobre, dum embrião humano, duma pessoa com deficiência – só para citar alguns exemplos –, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza” (n. 117). Francisco caracteriza essa situação como “esquizofrenia permanente, que se estende da exaltação tecnocrática, que não reconhece aos outros serem um valor próprio, até à reação de negar qualquer valor peculiar ao ser humano”(n. 118), e conclui que “não haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo. Não há ecologia sem uma adequada antropologia” (ibid.). Na crise ecológica se reconhece uma crise ética (n. 119). O relativismo prático impõe o pensamento segundo o qual “tudo o que não serve os próprios interesses imediatos se torna irrelevante” (n. 122). “Se não há verdades objetivas nem princípios estáveis, fora da satisfação das aspirações próprias e das necessidades imediatas, que limites pode haver para o tráfico de seres humanos, a criminalidade organizada, o narcotráfico, o comércio de diamantes ensanguentados e de peles de animais em via de extinção? “(n. 123). É a mesma lógica que comanda todos esses problemas.
O valor do trabalho deve ser também protegido e defendido das consequências do paradigma tecnocrático. “A intervenção humana que favorece o desenvolvimento prudente da criação é a forma mais adequada de cuidar dela” (n. 124). O sentido e a finalidade da ação humana sobre a realidade são pressupostos de uma compreensão adequada do trabalho como meio para o desenvolvimento pessoal e social integrais. É necessária uma economia que “favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial”, com especial atenção para o desenvolvimento dos pobres a partir do trabalho.
Neste âmbito é preciso considerar também as intervenções técnicas sobre o próprio ser humano e sobre os demais seres. Trata-se do desafio das biotecnologias e biociências. Citando S. João Paulo II, Francisco afirma que é legítima uma intervenção que atue sobre a natureza para ajudar a desenvolver sua linha própria, da criação querida por Deus (n. 132). Dada a complexidade da questão, e da necessidade de considerar todos os aspectos implicados, incluída a ética, é preciso “dispor de espaços de debate, onde todos os que poderiam de algum modo ver-se afetados, direta ou indiretamente [...], tenham possibilidade de expor as suas problemáticas ou ter acesso a uma informação ampla e fidedigna para dotar decisões tendentes ao bem comum presente e futuro” (n. 135).

Capítulo 4: Uma ecologia integral (137-162)

“A ecologia estuda as relações entre os organismos vivos e o meio ambiente onde se desenvolvem” (n. 138). Partindo dessa descrição e dos pressupostos segundo os quais “tudo está intimamente relacionado” e que “os problemas atuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial”, o Papa expressa sua convicção de que é necessário “pensar e discutir sobre as condições de vida e de sobrevivência duma sociedade, com a honestidade de pôr em questão modelos de desenvolvimento, produção e consumo” (n. 139).
Neste sentido, a proposta de ecologia integral se apresenta como ecologia ambiental, econômica, social e cultural. Engloba aspectos que vão da vida quotidiana até a justiça internacional, seguindo o princípio do bem comum e da dignidade da criação. “É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única complexa crise socioambiental” (n. 139). A respeito da ecologia econômica, o Papa afirma que deverá ser “capaz de considerar a realidade de forma mais ampla” e não se deixar levar por cálculos tendentes unicamente a “simplificar os processos e reduzir os custos’ (n. 141). Da ecologia social, afirma que “é necessariamente institucional e progressivamente alcança as diferentes dimensões, que vão desde o grupo social primário, a família, até à vida internacional, passando pela comunidade local e pela nação” (n. 142). A propósito da ecologia cultural, o Papa considera que “a imposição de um estilo hegemônico de vida ligado a um modo de produção pode ser tão nocivo como a alteração dos ecossistemas” (n. 145).
Nos aspectos cotidianos da ecologia humana, o Papa Francisco reflete sobre as cidades (habitação, espaço urbano, transportes) e sobre a vida em ambientes rurais. Trata ainda da “lei moral inscrita na própria natureza” humana, sobre a relação com o próprio corpo e sobre o sentido da própria feminilidade ou masculinidade (n. 155). Na reflexão sobre o princípio do bem comum, trata dos direitos da pessoa humana, dos grupos intermediários, do princípio de subsidiariedade e da opção preferencial pelos mais pobres. Esta última, é tida como “exigência ética fundamental para a efetiva realização do bem comum” (n. 158). O princípio da justiça intergeneracional  se coloca na linha da lógica do dom. “a terra nos é dada, não podemos pensar apenas a partir dum critério utilitarista de eficiência e produtividade para lucro individual” (n. 159). “A dificuldade em levar a sério esse desafio tem a ver com uma deterioração ética e cultural, que acompanha a deterioração ecológica” (n. 162).

Capítulo 5: Algumas linhas de orientação e ação (n. 163-201)

       Neste capítulo, o Papa delineia “grandes percursos de diálogo” com o objetivo de buscar as saídas da “espiral de autodestruição onde estamos afundando” (n. 163). Primeiramente, considera a responsabilidade da política internacional, que supõe considerar “o planeta como pátria e a humanidade como povo que habita uma casa comum” (n. 164). Trata-se  de construir um projeto comum a partir de um consenso mundial em torno do modelo de desenvolvimento integral e sustentável e do uso preferencial das energias renováveis. “Trata-se primariamente duma decisão ética, fundada na solidariedade de todos os povos” (n. 172). Seu objetivo é estabelecer “padrões reguladores globais” (n. 173) para a “governança de toda a gama dos chamados bens comuns globais” (n. 174). Isto requer “a maturação de instituições internacionais mais fortes e eficazmente organizadas, com autoridades designadas de maneira imparcial, por meio de acordos entre os governos nacionais e dotadas de poder de sancionar” (n. 175).
       O diálogo para novas políticas nacionais e locais põe em questão a determinação da política por interesses econômicos, por meio dos interesses eleitorais (n. 177-178). “Se os cidadãos não controlam o poder político – nacional, regional e municipal –, também não é possível combater os danos ambientais” (n. 179). Para um projeto político integral é necessária a continuidade, porque “os resultados requerem muito tempo e comportam custos imediatos com efeitos que não poderão ser exibidos no período de vida dum governo” (n. 181). Por isso, “sem a pressão da população e das instituições, haverá sempre relutância a intervir” (ibid.).
       O grave problema da corrupção torna evidente a necessidade de diálogo e transparência nos processos decisórios. A interdisciplinaridade das discussões são tão necessárias quanto a transparência e a independência de qualquer pressão econômica ou política (n. 183). “É necessário alcançar consenso entre os vários atores sociais” (ibid.). Nessa discussão, em vista do discernimento necessário, o Papa considera indispensáveis uma série de perguntas: “para que fim? Por qual motivo? Onde? Quando? De que maneira? A que preço? Quem paga as despesas e como o fará?” (n. 185).
       Nesse diálogo, o papel da Igreja é ditado pelo princípio de que ela “não pretende definir as questões científicas nem substituir-se à política”, mas convidar “a um debate honesto e transparente, para que as necessidades particulares ou as ideologias não lesem o bem comum” (n. 188).
       É indispensável que a política e a economia dialoguem em vista de um desenvolvimento que tenha como meta a plenitude humana. “A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnologia” (n. 189). A concepção “mágica” do mercado deve ser cuidadosamente evitada, pois os problemas não se resolvem com o crescimento dos lucros das em presas ou dos indivíduos  (n. 190). O autêntico desenvolvimento pode requerer a redução de “um determinado ritmo de produção e consumo” (n. 191), “diminuir a marcha, pôr alguns limites razoáveis e até mesmo retroceder antes que seja tarde demais” (n. 193). Em vista disso, “chegou o hora de aceitar um certo decréscimo do consumo nalguma partes do mundo, fornecendo recursos para que se possa crescer de forma saudável noutras partes”(n. 193). “Trata-se de redefinir o progresso” (n. 194). “Um desenvolvimento tecnológico e econômico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar progresso” (ibid.).
       As religiões têm um papel importante na compreensão do sentido da vida, e devem dialogar com as ciências a respeito. É preciso “fazer apelo aos crentes para que sejam coerentes com a sua própria fé e não a contradigam com as suas ações” (n. 200). Em vista de uma contribuição significativa, o Papa Francisco afirma a necessidade de que as religiões dialoguem entre si; que as diversas ciências também dialoguem entre si, que os diferentes movimentos ecologistas se abram a um diálogo capaz de respeitar as diferenças. “A gravidade da crise ecológica obriga-nos, a todos, a pensar no bem comum e a prosseguir pelo caminho do diálogo que requer paciência, ascese e generosidade” (n. 201).


Capítulo 6: Educação e espiritualidade ecológicas

       Neste capítulo, o Papa Francisco inicia com a lapidar afirmação: “antes de tudo é a humanidade que precisa mudar”, pois “falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos” (n. 202). E prognostica: “Esta consciência basilar permitira o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida” (ibid.). O desafio é definido então como “cultural, espiritual e educativo” e “implicará longos processos de regeneração” (ibid.).
       Primeiramente é preciso tomar a direção de outro estilo de vida, superando o consumismo compulsivo. A falta de identidade produzida pelo paradigma tecno-econômico é vivida com angústia. A superação da auto-referencialidade é uma necessidade urgente. Tal paradigma leva à oposição entre as pessoas e deteriora a sociedade: “a obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo quando poucos têm possibilidade de o manter, só poderá provocar violência e destruição recíproca” (n. 204). O ponto de partida da mudança cultural se encontra nas pessoas humanas: “não há sistemas que anulem, por completo, a abertura ao bem, à verdade e à beleza, nem a capacidade de reagir que Deus continua a animar no mais fundo dos nossos corações” (n. 205). Trata-se de estimular a sensibilidade social dos consumidores e a capacidade de sair de si mesmos rumo aos outros (n. 206-208). “A atitude basilar de se auto-transcender, rompendo com a consciência isolada e auto-referencialidade, é a raiz que possibilita todo o cuidado dos outros e do meio ambiente; e faz brotar a reação moral de ter em conta o impacto que possa provocar cada ação e decisão pessoal fora de si mesmo” (n. 208).
       A aliança entre a humanidade e o meio ambiente é um dos objetivos da educação ecológica e se traduz em novos hábitos. Para tanto, é necessária a crítica dos mitos da modernidade, baseados na razão instrumental (n. 210). Não é só com normas que se pode conseguir a mudança necessária, “é preciso que a maior parte dos membros da sociedade tenha acolhido a norma jurídica, com base em motivações adequadas e reaja com uma transformação pessoal” (n. 211). A partir desse princípio, o Papa indica uma série de comportamentos concretos  e que têm incidência direta e importante no cuidado do ambiente (ibid.). Indica, em seguida, os diversos atores sociais responsáveis pela educação, destacando o papel da família, como “lugar da formação integral” (n. 213) e o papel da política e das associações na “formação das consciências da população” (n. 214).
       Do ponto de vista da espiritualidade, aponta para a necessidade de uma “conversão ecológica”. Considera que “a grande riqueza da espiritualidade cristã, [...] constitui uma magnífica contribuição para o esforço de renovar a humanidade” (n. 216). “Viver a vocação de guardiães da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa” (n. 217). De acordo com a experiência cristã, “a conversão ecológica, que se requer para criar um dinamismo de mudança duradoura, é também uma conversão comunitária” (n. 219). A seguir, o Papa indica várias atitudes ligadas a essa conversão: gratidão e gratuidade, consciência amorosa de estar ligado às outras criaturas, criatividade e entusiasmo para resolver os dramas do mundo (n. 220).
       A qualidade de vida que a conversão traz consigo, confere alegria e paz. O regresso à simplicidade, a felicidade de limitar algumas necessidades, a sobriedade e a humildade são sinais dessa espiritualidade. Ela permite também alargar a compreensão da paz, que ser realiza no dia a dia como harmonia serena recuperada (n. 224-225).
       O amor cristão, nesse processo educativo e espiritual, se traduz como amor civil e político. “É preciso voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e com o muno, que vale a pena ser ons e honestos” (n. 229). É isto que pode abrir-nos ao amor universal. “O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram construir um mundo melhor” (n. 231). “O amor social é a chave para um desenvolvimento autêntico” (ibid.). A sensibilidade pelo comunitário, o envolvimento direto com a política – por parte de uns –, e com as várias formas de associações, por parte de outros permite um efetivo cuidado da natureza e dos mais pobres. “Estas ações comunitárias, quando exprimem um amor que perdoa, podem transformar-se em experiências espirituais intensas” (n. 222).
Por fim, o Papa desenvolve uma reflexão a respeito de elementos característicos da espiritualidade cristã, indicando como eles podem abrir à conversão ecológica. “O ideal não é só passar da exterioridade à interioridade para descobrir a ação de Deus na alma, mas também chegar a encontrá-lo em todas as coisas”. A partir daí se fala do significado “sacramental” de toda a criação, e destaca como para a mística cristã tudo fala de Deus. Os sacramentos assumem elementos da natureza e os transfiguram no encontro com Deus (n. 235). A máxima elevação da natureza está na Eucaristia (n. 236). O sentido do descanso que o Domingo carrega em si permite abrir o cuidado da vida e do mundo para a nova criação aguardada com fé e para o sentido contemplativo da vida  (n. 237). As inúmeras relações existentes entre os seres testemunham o modelo divino a partir do qual foram criados: as Pessoas divinas como relações subsistentes (n. 240), pois o reflexo da Trindade está em toda a criação (n. 239). A devoção a Maria faz vê-la como “rainha de toda a Criação” (n. 241). Nela, “parte da criação alcançou toda a plenitude da sua beleza” (ibid.). A dimensão escatológica da criação nos recorda que “no coração deste mundo, permanece presente o Senhor da vida que tanto nos ama. Não nos abandona, não nos deixa sozinhos, porque se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos leva a encontrar novos caminhos” (245).
Ao final de sua encíclica, o Santo Padre propõe duas orações. Uma que pode ser rezada por todos os que cremos em Deus, outra por nós, cristãos, “pedindo que saibamos assumir os compromissos para com a criação que o Evangelho de Jesus propõe” (n. 246).



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