Homilia do D. Henrique
Soares da Costa – VI Domingo da Páscoa – Ano C
At
15,1-2.22-29
Sl 66
Ap
21,10-14.22-23
Jo
14,23-29
No
Domingo passado, dizíamos que a Igreja é fruto da Páscoa do Senhor, que ela
nasceu do lado do Cristo morto e ressuscitado, que ela vive e continua a nascer
da água do Batismo e do sangue da Eucaristia, que o Senhor, na sua fidelidade,
haverá de levá-la à plenitude, que até lá, a Igreja deve ser sinal vivo do
Reino de Deus entre as provações da história e deve viver no amor – herança que
o Senhor nos deixou…
No
Domingo presente, a Palavra de Deus continua a nos falar da Igreja, dessa
Comunidade do Ressuscitado, Comunidade que peregrina já há dois mil anos na
história humana, como um povo tão pobre, tão débil, humanamente falando, mas também
tão rico e tão forte pela presença do Ressuscitado entre nós.
É ainda o
Apocalipse que nos apresenta, de modo belíssimo, a glória da Jerusalém celeste,
Esposa do Cordeiro, nossa Mãe católica: “Mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém,
descendo do céu, de junto de Deus, brilhando com a glória de Deus” – Esta
Jerusalém gloriosa é a Igreja! Ela não nasce do povo, não nasce de um projeto
humano; ela nasce do coração do Pai, que, através do Filho Jesus, doador do
Espírito, chamou-nos, reuniu-nos, salvou-nos e fez de nós um novo povo, uma
nova cidade, uma nova aliança, início de uma nova humanidade. A Igreja é a
verdadeira Jerusalém, a verdadeira Cidade de Deus, que desce do céu e que é
santificada pelo sangue do Cordeiro e, um dia, será totalmente transfigurada na
glória de Deus. Não na sua própria glória, mas na de Deus, aquela glória que já
brilha na face do Cristo ressuscitado!
Ela é a
herança e a realização plena do antigo povo de Israel, ela é a plenitude do
povo de Israel, é o Israel da nova aliança. Por isso, “nas suas portas estavam
escritos os nomes das doze tribos de Israel”. Mas, a Igreja é mais que Israel:
ela é aberta a todos os povos, suas portas são abertas para todos os lados:
“havia três portas do lado do oriente, três portas do lado norte, três portas
do lado sul e três portas do lado do ocidente”. A nova Jerusalém é católica, é
aberta a todos, aberta em todas as direções, pois nela todos os povos, todas as
culturas terão abrigo. A Igreja não é simplesmente uma continuação do antigo
Israel e a nova aliança não é simplesmente uma continuação da antiga! Não somos
judeus! Em Cristo, tudo foi renovado: “Eis que eu faço novas todas as coisas!”
(Ap 21,5). Se a Igreja tem nas suas portas os nomes das doze tribos de Israel,
tem, por outro lado, como alicerce, o doze apóstolos do Cordeiro: “A muralha da
cidade tinha doze alicerces, e sobre eles estavam escritos os nomes dos doze
apóstolos do Cordeiro”. Isso aparece muito claramente na primeira leitura da
Missa de hoje: os apóstolos, assistidos pelo Espírito Santo, decidiram que os
cristãos vindos do paganismo não necessitavam tornarem-se judeus, não
precisavam cumprir a Lei de Moisés! Os cristãos não são uma seita judaica! É
interessante como os apóstolos, ao tomarem uma decisão tão importante, tinham
consciência de que eram assistidos pelo Espírito do Cristo ressuscitado:
“Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós…” – foi o que eles disseram… o que a
Igreja ainda hoje diz, quando os bispos, sucessores dos apóstolos, decidem algo
sobre a fé, em comunhão com o Sucessor de Pedro. A Igreja sabe e experimente
que o seu Esposo ressuscitado não a abandona; não a abandonará jamais!
Recordemos a promessa de Jesus no Evangelho de hoje: “O Paráclito, o Espírito
Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará o
que eu vos tenho dito”. Este Espírito Santo santifica continuamente a Igreja,
guia-a, sustenta-a, vivifica-a, orienta-a! Ele é a própria vida do Ressuscitado
em nós, seja pessoalmente, seja como comunidade de fé. Por isso Jesus olha para
nós e pode dizer com toda verdade e segurança e com toda eficácia: “Deixo-vos a
paz, a minha paz vos dou! Não se perturbe nem se intimide o vosso coração.
Ouvistes o que eu vos disse: ‘Vou e voltarei a vós!’” – É verdade: o
Ressuscitado permanece conosco na potência do seu Espírito! Não precisamos ter
medo, não precisamos nos sentir sozinhos, confusos, abandonados: na potência do
Espírito, o Cristo estará sempre conosco!
É por
isso que o Autor sagrado afirma ainda: “Não vi nenhum templo na cidade, pois o
seu Templo é o próprio Senhor, o Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro. A cidade não
precisa de sol, nem de luz que a iluminem, pois a glória de Deus é a sua luz e
a sua lâmpada é o Cordeiro”. Que imagens, irmãos e irmãs! A Igreja, nova
Jerusalém está toda imersa em Deus e no seu Cristo. Ela mesma é templo de Deus
no Espírito Santo! Ela vive na luz do Cristo, apesar de caminhar nas trevas
deste mundo! Para o mundo, que somente pode enxergar a Igreja na sua realidade
exterior, ela é apenas mais uma instituição, entre tantas do mundo. Mas, para
nós, que cremos, para nós somos Igreja viva, para nós que dela nascemos e nela
vivemos, para nós que nos nutrimos de seus sacramentos, ela é muito mais, ela é
este admirável mistério de fé! É isto que queremos dizer quando dizemos: “Creio
na Igreja, una, santa, católica e apostólica”. Renovemos nossa fé na Igreja e
mergulhemos cada vez mais no seu mistério, pois é aí, é aqui, que podemos viver
na nossa vida o mistério e a salvação do Cristo, nosso Deus.
Gostaria
de terminar com as palavras de Carlo Carreto:
“Como és
contestável para mim, Igreja! E, no entanto, como te amo!
Como me
fizeste sofrer! E, no entanto, quanto te devo!
Gostaria
de te ver destruída. E, no entanto, tenho necessidade de tua presença.
Deste-me
tantos escândalos! E, no entanto, me fizeste compreender a santidade.
Nunca vi
nada de mais obscurantista, mais comprometido e mais falso no mundo. Mas também
nunca toquei em nada tão puro, tão generoso e tão belo!
Quantas
vezes tive vontade de bater em tua cara a porta de minha alma! E quantas vezes
orei para um dia morrer em teus braços seguros!
Não, não
posso me libertar de ti, porque eu sou tu, mesmo não sendo completamente tu!
Além
disso, aonde iria eu? Construiria outra?
Mas não
poderia construí-la, senão com os mesmos defeitos, porque são os meus defeitos
que levo para dentro dela.
E, se a
construísse, seria a minha igreja e não a Igreja de Cristo!
E já
estou bastante velho para compreender que não sou melhor que os outros.”
D. Henrique Soares da Costa
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